sexta-feira, fevereiro 20, 2004

As aventuras de Johny X - Cap IV
Gilson era de cor parda. Um ralo bigode cobria seu lábio. Semblante quase sempre fechado, tinha cara de poucos amigos. E realmente eram bem poucos, os amigos daquele sujeito que só pensava em trabalhar (muito) para poder dar um futuro melhor que o seu próprio à sua filhinha Jéssica de dois anos. Normalmente era o primeiro a chegar e o último a sair naquela firma. Não hesitava em aceitar inclusive aqueles serviços que eram solicitados perto do horário de ir embora e que atrasavam ainda mais sua volta para casa. Atrasavam o seu encontro com a pequena Jéssica.

Naquele domingo de sol, quando tocaram a campaínha da sua casa, ele não acreditou no que viu. Parado em frente ao pequeno portão de sua casa, ninguém menos que o próprio Johny.

Na quinta-feira anterior, Johny havia tomado uma decisão: iria começar a se defender um modo um pouco mais ativo. ”Dizem que a melhor defesa é o ataque... de qualquer maneira, se eu não fizer isso, vou pirar.” pensava o jovem executivo. Estava cansado de todo aquele estresse, toda aquela tensão. Continuava fazendo itinerários diferentes em horários diferentes. E continuava com os nervos a flor da pele. Nesse dia, avisou a secretária que não estava se sentindo bem e que não trabalharia pelo menos na parte da manhã.

Tomou banho e desceu até a portaria do prédio.

_Tudo bem, Dalvair? Perguntou ele
_Tudo em paz, Seu Johny. Não recebeu a revista de novo essa semana?
_Não, tá tudo certo com a revista. Tenho recebido normalmente. Eu queria te perguntar uma outra coisa: Na terça-feira, colocaram de baixo da minha porta um envelope. Você sabe quem entregou?
_Quem aqui do prédio que entregou no seu apartamento?
_Não, eu quero saber de onde veio.
_Olha, Seu Johny, é provável que tenha sido entregue na parte da tarde, para o outro porteiro, o Josenir.
_E fica algum resgistro do que chega?
_ Só no caso de sedex, ou outra correspondência registrada.
_Sei... e que horas chega o Josenir?
_Ele entra as 12 horas.
Johny olhou seu Bullova, eram 9:30h. Teria que esperar. Pelo jeito também não trabalharia na parte da tarde.

Voltou ao apartamento. Abriu seu Notebook. Em uma página em branco do Word, começou a digitar tudo o que podia se lembrar, desde aquele primeiro contato telefônico. Foi anotando tudo: o que lembrava de concreto e literal e também algumas impressões mais subjetivas: “voz agressiva”; “gírias de marginal”; “tom de ameaça”;“traição”;“morte”.
“Morte”, será que era isso que o aguardava? “Se for, não vai ser de graça”, pensou. Foi juntando tudo na cabeça quando veio o estalo:
_Lógico! Esse cara não quer me matar. Primeiro, porque quem quer fazer alguma coisa não manda recado e segundo, porque ele sempre fala que “vão me pegar”. Esse tom agressivo me confundiu, mas definitivamente “esse aí” não quer me matar. Bom, mas quem quer, então?

Johny entendia cada vez menos. E aquela manhã de quinta simplesmente voou. O porteiro da tarde já deveria ter chegado. Johny desceu sem muitas expectativas. Explicou a história toda e o porteiro disse:
_Fui eu que recebi sim. Um motoqueiro entregou e pediu para deixar no seu apartamento com urgência. Até pedi para o Geraldo da faxina colocar embaixo da sua porta.
_Mas como era esse motoqueiro? Vc lembra o nome da empresa? Perguntou Johny, quase desesperado.
_Aí fica difícil, hein Seu Johny... Esses motoboy é tudo igual... macacão preto, capacete...
_ Josenir, eu preciso muito de qualquer pista que me ajude a saber de onde veio esse motoboy. Pensa com carinho, que vc garante sua cerveja no fim de semana.
_Que é isso, Seu Johny, é sempre com satisfação que a gente procura ajudar...
_Tá bom, eu agradeço e esse lembrar de alguma me avisa urgente, ok?
_Pode deixar.

Johny mal abria a porta do seu apartamento, voltando da conversa com o porteiro, quando tocou o interfone:
_Seu Johny, lembrei de uma coisa. Como ele parou com a moto aqui em frente, deve ter sido gravado pela câmera de circuíto interno. Eu liguei para o pessoal da segurança e eles vão me mandar a fita ainda na parte da tarde.
_Valeu Josenir, não vou esquecer da cerveja.
_Que é isso, seu Johny...

Rapaz, impressionante como as pessoas ficam eficientes quando estão “motivadas”...

Com o do advento do DVD, Johny pensou em se desfazer de seu “obsoleto” vídeo cassete, hi-fi de sete cabeças. Ainda bem que não o fez. A fita que recebeu do porteiro já estava no ponto certo. Nela um motoqueiro como outros milhares na cidade de São Paulo, descia da moto, conversava alguma coisa com o porteiro e deixava um envelope. Johny assistiu algumas vezes o trecho e nada. Nada que o ajudasse a ter alguma pista sobre o motoqueiro. Lembrou de alguns filmes americanos, onde era possível aumentar e movimentar a imagem com total nitidez... Pura ficção. Já estava quase desistindo quando bem no canto da tela, notou que aparecia um pedaço do baú da moto e um pedaço de número de telefone. Na verdade, estava faltando os últimos dois números. Bom, - pensou Johny – vai dar um trabalhinho, mas com um pouco de sorte, não vou demorar muito.

Depois de muitos “Desculpe, foi engano”, Johny conseguiu o que queria:
_Fast Service Entregas, boa tarde. Disse a recepcionista do outro lado da linha.
Ele levou um susto e desligou rapidamente. Fast Service era a empresa de entregas contratada da corretora onde trabalhava. Voltou para a fita, agora com outros olhos, tentando reconhecer o motoqueiro. O ângulo não favorecia... até que: “Bingo!!”, o capacete. Com certeza, já tinha visto antes aquele adesivo de caveira no capacete. Ligou para Rose na corretora.

_Oi, Rose tudo bem?
_Tudo. Você tá melhor?
_Melhor? Ah, tô sim o brigado. Deixa eu te perguntar uma coisa: Você conhece aqueles motoqueiros que prestam serviço prá gente?
_Conhece como?
_Sabe o nome, pelo menos?
_De alguns sim.
_Conhece um que tem uma figura de caveira no capacete.
_Ah, tá... um que parece que tá sempre bravo? Acho que o nome dele é...Gilson! Isso mesmo. O cara chama Gilson.

>> continua