terça-feira, novembro 11, 2003

Post Novela – Cap IV
_Mostrar o quê? disse ele, tentando se livrar daquela sensação incômoda.
_É surpresa, né? Mas não é nada demais...não vá criando muitas expectativas; é só uma coisa que eu acho que você gostaria de ver.
E foram andando pelos corredores daquela faculdade. Subiram alguns lances de escada, passaram pelos corredores de salas de aula. Ah... o cheiro de escola... inconfundível. Será que é a mistura de giz, com a madeira das carteiras e o desinfetante dos banheiros que produz esse aroma tão particular?

Seguiram andando e o zum-zum-zum foi lentamente ficando para trás. Chegaram a uma pequena sala de espera. Não havia mais cheiro de escola, mas cheiro de diretoria.
_Isso mesmo, aqui é uma das diretorias – disse Clara.
_Você me trouxe aqui para conversar com o diretor por causa de ontem?
_Acho que você vai pegar suspensão de pelo menos três dias...

O lugar estava todo vazio. A penumbra dominava aquele local de aspecto austero e antigo. Um sofá verde de couro; uma mesinha de madeira escura, toda trabalhada com entalhes na madeira ao centro. Sobre ela, alguns livros de arte e outro com a história daquela faculdade. Uma escrivaninha também de aparência antiga, com tampo muito lustroso, contrastava de modo engraçado com o monitor de computador tipo “slim” sobre ela. Ao lado da escrivaninha, a porta do gabinete do diretor.

_Aqui é a diretoria administrativa - explicou Clara - Depois das seis da tarde, não tem mais ninguém. E para o espanto do carinha, ela abriu uma das gavetas da escrivaninha e tirou uma chave.
_Minha prima é a secretária – disse ela com um sorrizinho maroto - O que eu quero te mostrar, está lá dentro. Só não vou poder acender muito as luzes para não dar bandeira.

Como era de se imaginar, o gabinete seguia a mesma linha austera e antiga da recepção. Uma grande escrivaninha com uma cadeira de encosto alto atrás. Uma pequena estante, dois abajures, uma pesada cortina na janela e nas paredes alguns quadros e...fotos.

Não dissemos ainda, mas o carinha é fotógrafo. Na verdade, assistente. Trabalha, há três anos, para um fotógrafo relativamente conhecido de São Paulo. Seu estúdio, em Vila Madalena, atende tanto o mercado publicitário, quanto o editorial. Mas o carinha tem se queixado ultimamente. Tem se sentido meio explorado: “arrumo cenário, luz, equipamento, enquadramentos, para ele chegar lá, apertar o botão, receber a grana e ficar com os créditos?” Ele sabia que tinha aprendido muito ali e era grato por isso. E se a situação havia chegado à esse ponto era simplesmente pela confiança que o fotógrafo oficial depositava no carinha.

_Outro dia, quando vim falar com minha prima, vi essas fotos e achei que você gostaria de vê-las.

De fato, o carinho gostou muito. Ficou meio paralisado até... olhando aquelas fotos em preto e branco que mostravam o centro de São Paulo no início do século XX. Ele era fascinado pelo centro. Adorava zanzar por lá. Tanto, que alugou apê em Santa Cecília. Aquelas fotos tinham uma característica diferente das que ele já havia visto sobre o centro. Elas não retratavam o lugar como o personagem principal. O foco não estava nas obras de Ramos de Azevedo, prédios ou viadutos, mas sobretudo nas pessoas. Homens de chapéu pareciam caminhar apressados já naquela época. Na porta de uma provável padaria, um provável português, de avental branco e longos bigodes sorria de modo acolhedor para a câmera. Uma criança usando roupas de marinheiro andava de mãos dadas com sua mãe. Essa criança, se estiver viva, já é bisavô...O carinha viajava ... olhando, imaginando a época, tentando desvendar de que maneira o fotógrafo havia registrado aquilo tudo, que equipamento teria usado, as dificuldades...

_Tinha certeza que você curtiria – disse Clara, com ares de vitoriosa.
_É demais mesmo...nunca havia visto este tipo de ensaio antes...- e olhando-a nos olhos - também nunca havia encontrado alguém como você... – disse aproximando seu rosto ao dela.

Já haviam se beijado antes. Mas agora, talvez envolvidos por uma outra atmosfera, foi diferente.

continua>