sexta-feira, março 26, 2004

Diário de um papai fresco - I
Eu estava justamente comentando com o Alex-J, via e-mail, apesar dos 30 e tantos passos de distância que nos separam, de como os partos naturais estão cada vez menos naturais e de como me sentia desconfortável em ter que escolher uma data para o nascimento do André. Afinal de contas, o obstetra já havia adiantado que pouco provavelmente a Cris entraria em trabalho de parto espontaneamente, que o nenê estava muito grande e não estava encaixado etc etc... Os mesmos argumentos-padrão que eu havia lido em uma matéria sobre porquê o número de cesarianas cresceu tanto no Brasil, apesar de a grande maioria das gestantes atestarem que prefeririam fazer um parto normal. Além disso, tinha outro detalhe: se nós marcássemos a cesárea para o dia 19/03, ele nasceria sob o signo de Peixes e se marcássemos para o dia 22/03, de Áries. Não que os signos fizessem tanta diferença para nós, mas e se fizessem prá ele? No final das contas, como disse o Alex-J no último post, André acabou decidindo sozinho.

Naquele sábado, achando que era provavelmente o último final de semana do resto de nossas vidas, aproveitamos para tentar resolver alguns últimos detalhes, fazer umas compras e a Cris aproveitou para ir ao cabeleireiro. Lá, todos comentavam sobre o tamanho da barriga, mas ela só ria e dizia: "Faltam 10 dias ainda...". Ah, se ela soubesse...
No final da tarde ainda encontramos o Vinnie e a Cristiane e, na entrada do prédio, cruzamos com o seu Darci e o Daniel. Seu Darci me confidenciaria depois que naquele momento, ao passar a mão na barriga da Cris, fez um pensamento positivo, talvez o último empurrãozinho que faltava. À noite, em frente à tv, a Cris começou a sentir as contrações. Sentindo que vinham ritmadas, me pediu para que anotasse os horários. Apesar de apreensivos, ainda não estávamos convencidos de que tinha chegado a hora. Após umas 10 contrações (que vinham de 5 em 5 minutos), tentei, em vão, contatar o obstetra. Ele havia viajado. Liguei então para a obstetra do hospital, que disse: "De 5 em 5?! Vem prá cá."

Seguimos então para o hospital e eu agradeci nessa hora por ser um sábado à noite. Tantas e tantas vezes eu havia imaginado esse momento e entrava em pânico ao pensar que poderia ocorrer em uma daquelas castigadas tardes de chuvas e alagamentos em São Paulo. Já pensou?

Chegando lá, as contrações haviam aumentado a sua intensidade. Já no estacionamento, pedi por uma cadeira de rodas. A Cris entrou na obstetrícia e eu, do lado de fora (típica cena de marido esperando em sala de hospital - só faltou o cigarro porque eu não fumo) tentava ligar ainda pro médico. Quando me chamaram, já anunciaram: "o parto vai ser agora! Se vc for assistir, é bom se apressar prá fazer a internação.". Claro, trabalho de pai nessa hora é sempre a chatice de cuidar da burocracia e dos papéis. Lá fui eu, então. A atendente, óbvio, não estava com a menor pressa. Acho que ela não sacou que o André estava ansioso prá conhecer esse mundo. Tudo resolvido, subi e me mandaram prá um vestiário. Com aquele modelito, curti uns breves segundos de Dr. Doug, do Plantão Médico. Chegando à sala de parto, passei por uma outra sala com uma placa "Sala de Reanimação". Esse nome já me deu um frio na espinha. Por sorte, eles estavam na sala ao lado. A Cris já estava toda posicionada, com aqueles panos e aqueles holofotes. Como nos filmes. Para o meu total alívio, ela já estava anestesiada e estava com a fisionomia ótima. Me lembro que eram exatamente 11h55 do dia 13. O médico perguntou: "E aí? Será que ele vai nascer no dia 13 ou 14? Agora é a mamãe quem decide." Mas novamente, não foi a mamãe quem decidiu nada. Depois de várias e várias tentativas, contração após contração, (algumas vomitadas também), ele só foi nascer à meia-noite e vinte e dois do dia 14. Devido à demora, ele já saiu um pouco sufocado, roxinho, e não chorou. Levaram-no rapidamente, e após alguns segundos que pareceram horas torturantes, ouvimos um choro forte vindo da outra sala. Fui convidado a ir conhecê-lo. Ele estava justamente na tal Sala de Reanimação, tomando seu primeiro e chocante contato com este mundo. Saíra finalmente da Matrix na barriga da Cris. Levaram-no então para um primeiro e breve contato com a mãe. Um beijinho rápido e a primeira constatação de que ele saíra mais parecido com ela (hoje isso já pode ser contestado!). Ele foi então recolhido ao berçário, mamãe emocionada continuou tomando seus pontos e aguentando sacadinhas dos médicos e papai atrapalhado foi retirar sua roupa de Plantão Médico e buscar as malas no carro e levar para o quarto (aquela parte chata que cabe aos pais).

Já no quarto, ainda sem ele, tentamos nos acomodar, exaustos, aliviados e agradecidos.
Às três e meia, toca o telefone. Era a enfermeira pedindo prá levar a primeira roupinha. Mais um trabalho para o pai. Chegando lá, pude vê-lo tomar o primeiro banho de sua vida. Ele chorava desesperadamente. O corpinho ainda estava bastante vermelho. Mesmo naquelas condições, a enfermeira, com aquela prática impressionante no trato com os bebês, calmamente penteava o seu cabelinho. Ao ser colocado no berço aquecido, ele ainda chorava sem parar, enquanto os seus vizinhos de berço dormiam profundamente. Fiquei ali no vidro por mais um tempo, com o coração em frangalhos. Às cinco e meia, trouxeram-no para o quarto! Ele já não chorava mais. Pelo contrário, tinha uma expressão tranquila e já abriu seus olhinhos para tentar enxergar o que se passava. Incrível como foi só a Cris pegá-lo no colo e ele já foi abrindo a boquinha e procurando o seu peito. Ficamos com ele até às seis e meia admirando-o sem saber muito o que fazer. Depois a enfermeira novamente o recolheu e assim seguiu essa rotina de horários.

Nos primeiros dias foi uma enorme tranquilidade. Devido à sua reserva calórica, o bebê quase não sente fome nos primeiros 3 dias e passa quase o tempo todo dormindo. E assim ele passou de mão em mão por todos os tios e tias que foram visitá-lo no hospital.

Na terça-feira de manhã, a Cris recebeu alta, mas o André teve que ficar mais um dia prá tomar o banho de luz, pois a icterícia começava a se manifestar. Apesar de todo mundo dizer o quanto isso é normal, a idéia de deixá-lo foi como uma cratera se abrindo sob os pés. A viagem do hospital prá casa que tantas vezes eu tinha imaginado e fantasiado era agora triste e silenciosa. Nos demos as mãos sobre o câmbio e não separamos nem mesmo para limpar as lágrimas no rosto.

continua...