sexta-feira, agosto 27, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente III

Cinco tiros e muitas facadas... Aquele marido traído deveria estar tomado de um ódio muito grande, para tamanha explosão de violência. Amuado a um canto, rosto abatido, camisa manchada de sangue... cabisbaixo, pôs as mãos espalmadas sobre o rosto e chorou.
Rico deveria tirar algumas fotos, fazer perguntas, conseguir alguma declaração. Mesmo sabendo que tinha pela frente alguém que havia matado brutalmente a mulher, se compadeceu daquele que agora parecia tão frágil. “O ser humano é muito estranho”, pensou. Regulou sua máquina, para aproveitar toda a luz do local e não utilizar o flash.

“Droga, vai ficar escura...”. Tirou algumas fotos sem que o homem percebesse. Aproximou-se. No momento em que abria a boca, foi barrado por um sujeito que, dedo em riste, foi logo dizendo:

_ Meu cliente está muito perturbado e não dará nenhuma entrevista neste momento.

O advogado do industrial, homem magrelo e calvo, óculos fundo de garrafa e bigodinho, foi afastando Rico com as mãos sem a menor cerimônia.

_ Você é o advogado dele? Perguntou Rico, já sabendo a resposta.
_ Exato. Dr. Cláudio de Cicca, com dois “cês” – disse o homem para ter certeza que seu nome seria grafado corretamente pelo jornal.
_ Ok. Seu cliente chegou a ver o amante? Sabe de quem se trata?
_ Essa informação não pode ser revelada no momento para não atrapalhar as investigações policiais.
_ Investigações? Mas o caso já não está esclarecido?
_ Esclarecido? Para mim está. Meu cliente é inocente.

Rico sabia que outras mortes como aquela, ou piores, deveriam ter acontecido naquele período. A diferença é que elas aconteciam na periferia, onde esparçamente eram investigadas pela polícia, muito menos publicadas. “Temos que mostrar o que o público quer ler” dizia seu editor.

Percebeu imediatamente que muito jornal seria vendido nas próximas semanas às custas daquela mulher estendida no tapete da sala de jantar.


continua>>