terça-feira, dezembro 02, 2003

Post Novela – Cap VIII
Clara sentia-se desconfortável. Ela não gostou nem um pouco de ter inventado aquela estória de prova. Sabia que o carinha sentia-se um pouco inseguro em relação à ela e não queria magoá-lo ou colocar ainda mais pêlos naquela casca de ovo. Apenas gostaria que a primeira vez deles fosse algo especial e não ali naquela diretoria. Se bem que ela quase cedeu. Diria que se não fosse o sinal, teria mesmo acontecido. Na verdade, ela não imaginou que pudesse ser arrebatada daquela maneira. Toda aquela necessidade de contato que partiu dos dois era quase incontrolável. E pensar que tudo começou tão lentamente...

Três meses antes:
_Meg, você não disse que estava marcado para as dez e meia?
_ Disse.
_Porque já são mais de...
_Cacete! Porque tudo que eu visto não presta? Ou me deixa baixa demais, ou gorda demais, ou branca demais... Você viu minha meia-calça? Disse Meg, buscando por baixo daquele mundo de roupas espalhadas no seu quarto.
_ Qual delas? Você já experimentou umas quatro!
_ Sabe aquele filme, “Quero ser John Malkovitch”? Prá mim seria: “Quero ser Clara”. Até com as roupas da minha avó, você fica bem, que saco...
_Ai, que exagero Meg. E depois, vai ver que o segredo é não esquentar...
_É... se eu fosse você, também não esquentaria...
_Chega Meg. Você tá linda. Daqui a pouco tá na hora de voltar e a gente nem saiu. Quem vai estar lá, que está te deixando nesse estado? É esse carinha que vem buscar a gente?
_Não, esse carinha é só amizade mesmo, como diria o Sílvio Santos.
_Só amizade, né? Sei... Bom, espero que ele seja amigo o suficiente para ainda estar esperando a gente lá embaixo...

E o carinha aguardava no carro há exatos quarenta e cinco minutos... Ele achou que os quinze minutos que se atrasara intencionalmente fossem suficientes... Finalmente, Meg apareceu.
_Desculpa, aí cara...
_Nossa, Meg... Cê tá bonita, hein?
_Ah... valeu, peguei a primeira roupa que vi... para não atrasar muito, sabe?
_ E a sua prima não vem? Mal terminou de falar quando Clara surgiu. Nesse momento, tudo ao redor dela saiu de foco e ele não ouvia nenhum um som se quer. Ela parecia se mexer em câmera lenta.
_Essa é minha prima Clara – disse Meg

Ele ficou realmente desconcertado. Mal conseguiu dizer seu nome. Meg foi sentada na frente ao seu lado e Clara atrás. No caminho, não conseguia parar de olhá-la pelo retrovisor. As vezes seus olhos se cruzavam e ele ficava todo embaraçado.

_A Meg me disse que você trabalha com fotografia. Posso ver essas fotos que estão aqui no banco? Disse ela.
_Claro.
_Nossa, muito legais –
E Clara começou a ver aquelas fotos em preto e branco, em sua maioria, de crianças em situação de pobreza. Algumas brincando, outras olhando dentro dos nossos olhos através da lente do fotógrafo.
_São lindas! Puxa, você é realmente muito talentoso, hein? Que sensibilidade. Que criatividade. Que...
_É... não são minhas... – disse o carinha querendo entrar embaixo do banco. – São do Sebastião Salgado, um cara muito fera. Um dos melhores do Brasil.
_Ai... desculpe... eu... nossa, como eu sou besta. Vou mexendo, vou falando... Ai que vergonha, foi mal...
_Mas ele também é bom prá caramba, Clara. Lembra a capa do nosso CD como ficou legal? Eu até pareço bonita...
_É verdade... mas depois dessa, faço questão de ver algum trabalho seu mesmo.- disse Clara
_Cê tá louca! Depois de ver essas fotos? De jeito nenhum...Talvez daqui há uns trinta anos...
_ Ele fica fazendo onda, mas manda muito bem sim senhor. – disse Meg

E foram papeando até chegarem ao local da festa. Lá, Clara e o carinha conversaram bastante e ela foi gostando do jeito dele. O carinha transmitia a ela uma coisa de sinceridade, que a deixava muito confortável. Provavelmente por ter passado por algumas desilusões, Clara andava um pouco pé atrás com os homens de maneira geral, que quase sempre viam nela apenas a mulher bonita. Sim, ela sabia que era bonita e muitas vezes chegou a se incomodar com isso... Ela precisava que gostassem do que ia dentro dela também. Estava cansada do tipo padrão de homem que costumava atrair.

Aquele carinha, com cara de cachorro sem dono, parecia diferente. Ele parecia ouvi-la.

E sem o menor esforço e sem se dar conta disso, foi ganhando muitos pontos com ela.

continua>