sexta-feira, setembro 03, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente IV

_ Excelente, Rico! Genial! – dizia o editor, estapiando as costas do repórter.
E continuava:
_ Essa sua idéia de tirar uma foto meio escura, penumbrada, vai dar primeira página com certeza! Principalmente porque o caso é mais enrolado do que tínhamos pensado no início... perfeito! E você não conseguiu nenhuma declaração do assassino?
_ Não, o advogado não deixou.
_ Bom, a gente pensa em alguma coisa...

Essa última frase do editor causou um imperceptível mal estar em Rico. Ele sabia que estava implícito aí algum tipo de “criação” a ser atribuída ao outro. Detestava aquilo. Detestava essa manipulação consciente dos fatos para atingir determinado fim, que nesse caso era fazer sensacionalismo. Mas estava cansado de ver isso para os mais diversos fins... Manipulação política, favorecimento de empresas anunciantes, até manipulação religiosa já havia presenciado.Dóris, há muito, havia dito que se ele não estava feliz nessa profissão, que procurasse outra coisa. Mas que deveria procurar algo onde também pudesse utilizar seu talento para escrever e para captar imagens. Foi, inclusive, a primeira a expressar isso para Rico, que de início via no jornalismo apenas uma profissão como outra qualquer, algo para se ganhar a vida. Ah, Dóris... sentia muito sua falta. Dizem que o tempo tudo cicatriza, mas quanto mais o tempo passava, mas doía sua ausência.

_ Rico! Rico! Onde você está rapaz? O homem nem chegou à Lua ainda, se é que vai chegar, mas parece que você quer ser o primeiro, né? Aposto que não ouviu nenhuma
palavra do que eu disse.
_ Claro que ouvi chefe. Só não entendi essa última frase.
_ Eu disse que o motorista da família telefonou para cá dizendo que tem informações privilegiadas sobre o caso. Evidente que ele quer um caminhão de cruzeiros pela exclusividade, mas se o que ele tem para dizer for quente mesmo, pode valer a pena. Ele quer se encontrar em um local discreto para conversar.
_ Mas você não quer que eu vá, né? - Perguntou Rico, já sabendo a resposta.
_ É claro que quero.
_ Ah, não... mande outra pessoa... o Mário por exemplo.
_ O Mário não está disponível e além do mais a matéria é sua. Aqui está o endereço e o horário que ele marcou. – disse, entregando ao repórter pequeno pedaço de papel escrito a lápis e dobrado ao meio. - Se vira. Você sabe a alçada para negociar, se ele quiser mais, me liga e a gente analisa conforme as informações que ele tiver.

Agora sim, era o que faltava... a outra faceta que ele mais abominava... negociar com a fonte.

Rico consultou o relógio, eram sete e vinte da manhã. O encontro com o motorista se daria somente no final do dia. Estava exausto. Resolveu ir para casa descansar um pouco. Tomou banho, comeu alguma coisa e se deitou. Apesar do cansaço, não conseguia dormir. Ficava montando as peças do quebra-cabeça na sua mente, pensando em todas as outras informações colhidas no local do crime e que não havia passado ao seu editor.

continua>>