segunda-feira, abril 19, 2004

Post produzido de post reciclado. São tantas possibilidades...

Nas Ruas

É começo de noite e o tempo está frio e úmido em Sampa. Eu e uma mini multidão aguardamos o sinal de pedestres esverdear para atravessarmos a Consolação rumo à Maria Antonia. Percebo que a mini multidão é formada basicamente por alunos do Mackenzie. Reparo em uma estudante usando boina e óculos de armação preta e grossa. Ela carrega alguns livros e uma revista estrangeira à mostra. Está fazendo pose de intelectual, pensei.

Vou seguindo pela Maria Antonia. Mais estudantes: cabeludos; carecas; de piercing; de gravata; risadas; beijos na boca. O clima de faculdade me agarra e não quero mais sair dessa rua. Mas eu resisto e sigo andando.

Começo a observar melhor as pessoas que passam em direção contrária. Começo a encará-las. Quero descobrir quem são, tentando imaginar suas histórias. Todas desviam o olhar. Esse tipo de atitude incomoda... De repente, uma garota não desvia, parecendo me desafiar. Será que ela já estava me observando? Ela não é bonita. Não consigo identificar se é estudante, ou se como eu, está só de passagem. Estranho, também não consigo estimar sua idade. Ela continua olhando dentro dos meus olhos. Sem diminuir o ritmo das passadas ela passa por mim em slow motion, encarando, desafiando, querendo ver dentro de mim. Depois que ela passa, fico tentado a olhar para trás, mas não olho. Apenas sigo adiante, agora descendo a Dona Veridiana em direção ao Largo Santa Cecília. Uma fina garoa começa a cair. Acho que é a tal garoa da terra boa...

O volume de pessoas diminui e escondidas sob seus guarda-chuvas, não posso mais alcançar seus olhos. Meu foco então se desvia para cima e vejo uma silhueta na janela de um apartamento. Apesar de não saber se homem ou mulher, a figura me aparenta ser idosa. Sinto que está ali, como eu, olhando as pessoas passarem, e talvez... pensando em quem são.

Os protagonistas transeuntes seguem sem perceberem nada. Não se dão conta que provavelmente suas histórias possam estar entrelaçadas em algum ponto do passado ou do futuro (no presente já estão). Mas as pessoas não pensam sobre isso. De fato, nesta cidade, é bom não pensar em várias coisas: é bom não pensar no tempo incrível que se perde nos deslocamentos por causa do trânsito; na violência que nos espreita; ou na falta de perspectivas a médio prazo para a resolução destes problemas... E graças a essas coisas e também aos abundantes serviços deliverys, vamos indo, cada vez mais, para dentro. Cada vez mais, acuados, prisioneiros voluntários em nossas casas, ou escondidos nos automóveis de vidros escuros que também viraram extensão dos lares. Sim, é melhor não pensar em muita coisa sobre essa imensa, estranha e sedutora cidade.

Divagando sobre isso, não presto muita atenção para atravessar a rua. Um carro buzina e o motorista me xinga. Do outro lado, uma pessoa se oferece para ajudar a atravessar um deficiente visual. Mais adiante, um travesti caminha lentamente em direção a Amaral Gurgel para iniciar seu dia (noite) de trabalho. Mais buzinas: um ônibus fecha um cruzamento. Dentro de um carro, uma mulher solitária canta. Tento adivinhar que música está saindo de seus lábios mudos. De repente, um menino de rua, gruda em seu vidro. Da distância que estou, não consigo ver se é assalto ou não. Prá variar, ninguém próximo se manifesta. É como se ela fosse invisível. Então, eu lembro de um trecho da música Speed Racer do Herbert Vianna: “A vida nem sempre é boa/ a vida nem sempre é boa...”.

Mas eu sigo andando. E arrisco uns versos:

amor e ódio
sonho e pesadelo
yin e yang
o anti-modelo