quarta-feira, novembro 03, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente VI

Rico consultou o relógio. Eram quase cinco horas. Faltava cerca de uma hora e meia para o encontro com o motorista Carlito. Resolveu dar uma volta. Andar sempre fazia com que sua cabeça funcionasse melhor. Suspeitava que algum músculo de suas pernas estava diretamente ligado ao cérebro. Saiu de seu prédio na Rua 24 de Maio, no centro de São Paulo e foi caminhando em direção a Praça da República. A temperatura havia caído e uma fina garoa começava a borrifar as ruas. Rico, de chapéu, inclinava a cabeça para baixo, tentando se proteger enquanto andava. Pensou em Dóris e sentiu uma dor funda no peito. “Ela adorava... Passava horas na janela do nosso apartamento, observando a água cair do céu sobre os prédios, sobre as pessoas, as ruas...” Como de costume nos últimos meses, sentiu-se só.

_ Devia ter ficado em casa... – pensou.

A chuva apertou e ele entrou no primeiro lugar com teto que viu. Era uma construção nova, o letreiro dizia: “Shopping Center Grandes Galerias”. Já havia ouvido falar que um empresário chamado Alfredo Matias havia visitado os Estados Unidos e trazido de lá o conceito de “shopping center”.

_ Shopping Center? Será que isso tem futuro? – pensou com seus botões.

Distraiu-se com as lojas. Não pensou sobre o assassinato, ou melhor, sobre o caso do “Monstro do Brooklin” que era como a imprensa marrom estava se referindo. O tempo correu ligeiro e ele já estava quase atrasado para o encontro. Por sorte, não era muito longe dali. O motorista havia escolhido uma lanchonete dentro de uma outra galeria do centro de São Paulo. O lugar chamava-se “Tarikano`s Lanches”. “Tarikano? Que nome para uma lanchonete...”.

Entrou no esfumaçado lugar e procurou alguém com cara de Carlito. “Não, esse não... também não... não... opa! Tem um potencial...”

_ Com licença, seu nome é Carlito?
_ Não. Não é. – disse o homem em alto e bom som.
_ Me desculpe, sim? – disse Rico, meio envergonhado pelo fora.

Rico sentou-se numa mesinha de canto e esperou um pouco para decidir o que fazer. Não precisou esperar muito. O homem que havia dito que não se chamava Carlito, passou por ele e deixou um pedaço de guardanapo dobrado onde estava escrito: “Vá para o Ponto Chic, no Largo Paissandu. Seja mais discreto, C.”

Rico teve vontade de rir. “Esse Carlito deve estar indo muito ao cinema...” pensou.

Rumou sem demora para o novo restaurante. Entrou, avistou o motorista e foi sentar-se com ele. Rico não disse nada. O outro olhou para os lados e disse:

_ Você precisa ser mais discreto... Quer que todo mundo saiba do nosso encontro?
_ Ok, vou tomar mais cuidado. – disse o repórter cinicamente.
_ Você vai comer? - Perguntou Carlito.
_ Como?
_ Eu perguntei se você vai comer, porque eu vou.
_ Não estou com fome.
_ De qualquer maneira, peça alguma coisa para não levantar suspeita.
Rico pensou que era a segunda vez durante esse caso que comeria alguma coisa sem estar com fome.

_ Está bem. O que você recomenda?
_ Tem um sanduíche aqui chamado Bauru que é muito bom.
_ Está bem, tanto faz. Afinal o que você tem a dizer sobre o caso? É verdade que foi você o primeiro a chegar na cena do crime?
_ Isso mesmo. Quando cheguei, o Dr. Cláudio estava lá... olhando para o vazio, com a faca na mão. O revólver estava caído no tapete. Nunca vou me esquecer da expressão daquele olhar... Acho que endoidou.
_ Tenho a informação de andava um pouco perturbado nas últimas semanas. Você confirma?
_ Não sei. O Dr. Cláudio sempre foi meio fechado. Cordial, bom patrão, mas nunca foi de falar muito.
_ Então você não notou nada? – perguntou o repórter.
_ Olha, não sei e não me interessa. O que eu sei é o que eu vi. Ou melhor, quem eu vi saindo da casa do Dr. Cláudio, minutos antes de ver aquela tragédia.
_ Quem você viu?
_ Primeiro quero saber quanto seu jornal está disposto a investir nessa informação.
_ Estou autorizado a pagar cem mil cruzeiros.
_ Ninharia... isso não chega nem a dez salários mínimos... Vou procurar outro jornal...
_ Ok, ok. Nossa última proposta é Cr$ 150.000.
_ Preciso pensar...
_ E por que você não contou isso para a polícia?
_ De graça, doutor? Agora eu estou sem emprego, preciso pensar na família. Porque ninguém quer saber do Carlito aqui, não senhor...

Rico argumentou que não iria além daquela quantia, porque a informação, em si não era garantia de nada.
A contragosto e alegando estar fazendo um favor, Carlito aceitou. Perguntou como e quando seria o pagamento. Tudo acertado, Rico quis saber:
_ E então, quem você viu naquela tarde?
_ Quem eu vi? Vi o Seu Gouveia, sócio do Dr. Cláudio, na empresa. Ele saiu apressado, se esquivando, olhando para os lados... Com certeza, estava muito estranho...
_ De fato, muito estranho...
_ O senhor gostou?
_ É uma informação interessante...
_ Não, não. Estou falando do Bauru, disse que não estava com fome e comeu tudo...
_ Ah, sim... Bom, muito bom.

continua>>