sexta-feira, agosto 27, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente III

Cinco tiros e muitas facadas... Aquele marido traído deveria estar tomado de um ódio muito grande, para tamanha explosão de violência. Amuado a um canto, rosto abatido, camisa manchada de sangue... cabisbaixo, pôs as mãos espalmadas sobre o rosto e chorou.
Rico deveria tirar algumas fotos, fazer perguntas, conseguir alguma declaração. Mesmo sabendo que tinha pela frente alguém que havia matado brutalmente a mulher, se compadeceu daquele que agora parecia tão frágil. “O ser humano é muito estranho”, pensou. Regulou sua máquina, para aproveitar toda a luz do local e não utilizar o flash.

“Droga, vai ficar escura...”. Tirou algumas fotos sem que o homem percebesse. Aproximou-se. No momento em que abria a boca, foi barrado por um sujeito que, dedo em riste, foi logo dizendo:

_ Meu cliente está muito perturbado e não dará nenhuma entrevista neste momento.

O advogado do industrial, homem magrelo e calvo, óculos fundo de garrafa e bigodinho, foi afastando Rico com as mãos sem a menor cerimônia.

_ Você é o advogado dele? Perguntou Rico, já sabendo a resposta.
_ Exato. Dr. Cláudio de Cicca, com dois “cês” – disse o homem para ter certeza que seu nome seria grafado corretamente pelo jornal.
_ Ok. Seu cliente chegou a ver o amante? Sabe de quem se trata?
_ Essa informação não pode ser revelada no momento para não atrapalhar as investigações policiais.
_ Investigações? Mas o caso já não está esclarecido?
_ Esclarecido? Para mim está. Meu cliente é inocente.

Rico sabia que outras mortes como aquela, ou piores, deveriam ter acontecido naquele período. A diferença é que elas aconteciam na periferia, onde esparçamente eram investigadas pela polícia, muito menos publicadas. “Temos que mostrar o que o público quer ler” dizia seu editor.

Percebeu imediatamente que muito jornal seria vendido nas próximas semanas às custas daquela mulher estendida no tapete da sala de jantar.


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terça-feira, agosto 24, 2004

More Michael Moore
Que exótico.
Assistindo o final de "Indiana Jones no Templo da Perdição" outro dia no frets, vi que o filme havia sido dirigido por um tal de Michael Moore. Será?... pensei.

Pesquisando no indefectível IMDB, descobri que tem pelo menos 22(!) Michael Moores trabalhando no cinema, sendo que o do Indiana Jones, Michael D. Moore, está classificado como o primeiro deles. O Michael Moore de "Tiros em Columbine" é o segundo. O que faz maquiagem em "Buffy, a caça-vampiros" é o nº 12. E o que fez arte em "Quem Vai Ficar com Mary", o nº 17. Não faço idéia de qual seja o critério dos caras.

Quem quiser conhecer todos clique aqui.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente II

Estava cansado daquilo. Mais uma morte, mais uma história. Andava se sentindo muito incomodado com o seu trabalho. A cada novo caso, mais vontade ele tinha de fazer outra coisa. O que lhe perturbava não era o tom funesto, ou o ar denso dos ambientes de morte que era obrigado a freqüentar. Nem mesmo, as aberrações que se deparava com freqüência, como corpos mutilados, ou em estado de decomposição o incomodava. O que lhe afetava mortalmente era o tratamento espetaculoso que era obrigado a dar a esses acontecimentos. Enquanto repórter policial, era sempre compelido a procurar o ângulo certo – nas fotos e no texto – para que mais jornal pudesse ser vendido. Esse era o seu trabalho, levar a público a tragédia privada. Usar as tintas certas para pintar aqueles quadros tristes.

Para ele, era um absurdo, que em pleno 1962, a imprensa ainda se comportasse dessa maneira. A manipulação da notícia com fins comerciais era algo bastante incômodo para ele e especificamente na sua área de atuação, era algo bastante comum. O fascínio das pessoas frente à morte era algo que o chocava. No fundo, ele não sabia o que era mais mórbido: a imensa massa de leitores que compravam jornal para ler este tipo de notícia, ou quem as difundia.


Chegando à rua, não teve dificuldades em localizar a casa. A quantidade de viaturas, policiais e curiosos em frente aquele vistoso sobrado não deixava dúvidas: esta noite, ali seria o seu escritório.

Não demorou para que o Capitão Ernesto Sanches, homem corpulento de quase dois metros de altura, batesse nas suas costas:

_ Rico! Você já chegou? Como é que vocês conseguem fazer isso? Daqui a pouco, a imprensa vai chegar antes da polícia... Por que vocês também não aproveitam, e levam o que sobrou daquela mulher, para o IML?
_ Boa noite prá você também, Ernesto... Mas que diabo, será que não existe mais um mínimo de cordialidade nessa cidade?
_ Sem cinismo, Rico. Tem um amigo meu que diz...
_ “Que o cinismo é pior que a arrogância.” Eu sei, Ernesto, eu sei... Mas o que aconteceu por aqui?
_ Aparentemente não tem mistério. O sujeito, dono de uma metalúrgica, chegou mais cedo em casa e flagrou a esposa com outro. Deus cinco tiros e várias facadas.
_ E o amante?
_ Fugiu. Ainda não sabemos nada sobre ele.
_ Você disse que ele deu cinco tiros?
_ E o IML vai dizer quantas facadas, mas foram pelo menos umas dez.
_ Estranho... cinco tiros... A arma não tem seis?
_ Mas você acha que o sujeito nessa situação vai ficar contando os tiros?
_ Exatamente, não vai. Ele atira até acabarem as balas... Por que ele deixou uma?
_ Ah, lá vem você de novo inventando histórias...
_ Esse é o meu trabalho.
_ E o meu é organizar esse furdúncio. E você, não encoste um dedo em nada, tá entendendo? Eu quero você invisível por aqui, estou sendo claro?
_ Claro, chefe. Como sempre, você nem está falando comigo.
_ E, Rico:
_ O que?
_ Vê se faz essa barba, pelo amor de Deus.

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segunda-feira, agosto 16, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente

Ele levantou da cama às seis e meia da tarde. Sonolento, corpo doído, gosto de maçaneta na boca. Olhou sua cara amassada no espelho. Pensou em fazer a barba, mas não fez. Pegou uma camisa amarrotada em cima de uma cadeira e a vestiu. Depois, passou alguns minutos procurando seu blazer preto de lã, um tanto surrado, que estava caído atrás do sofá. Olhou o retrato de Dóris ao lado do telefone. Ela sorria para ele. Bateu a porta e chamou o elevador.

Rapidamente ele já estava andando pelas ruas do centro de São Paulo. O vento gelado que entrava pelas suas narinas fez com que ele despertasse completamente, deixando seu raciocínio aguçado novamente. Antes de entrar no jornal onde trabalhava, resolveu tomar um café.
O dono logo o reconheceu:

_O de sempre, Magro?
_O de sempre.
_Sai um “canela” com limão, aqui pro Magro! – Gritou com voz de barítono, o homem do caixa para a atendente que tirava os cafés.

Ele nunca disse, mas era imensamente grato ao dono daquele café. Aquela sensação de ser reconhecido no meio da multidão anônima de São Paulo trazia a ele um conforto muito grande. Sem falar que o café era realmente bom.

Quando ele entrou no jornal, seu chefe, o editor da página policial foi logo dizendo:

_Se prepara que hoje a noite vai ser daquelas. Parece que um cara cheio da grana, no Brooklin, matou a esposa. Vai prá lá agora.
E completou:
_Você está com uma cara horrível, hein? Podia pelo menos fazer a barba, né?
_ Boa noite, prá você também, chefe.

Pegou a maleta e saiu.

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