sexta-feira, setembro 17, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente V

Na noite do crime, depois de ter falado com o advogado do suspeito, Rico foi à caça de mais informações. E foi procurar onde elas costumavam ser mais esclarecedoras... Nos bastidores.

_ A senhora trabalha há quanto tempo na família? – Perguntou o repórter.
_ Faz doze anos que praticamente não saio desta cozinha – Respondeu aquela senhora de aparência cansada e acolhedora, num misto de orgulho e resignação.
_ E o seu patrão vinha se alimentando bem nas últimas semanas?
_ Que nada, coitado. Eu bem que me esforçava em fazer os pratos preferidos dele, mas ele quase nem tocava... – Lamuriava-se a cozinheira – Ontem à noite eu fiz pato com laranja, que de longe é seu prato preferido e ele nem mexeu na comida... Eu estava muito preocupada, estava achando que ele não gostava mais dos meus pratos, sabe? E se ele não gostasse mais da minha comida, eu não teria mais razão de ser...
_ Compreendo... Mas a senhora sabe o que ele tinha? Por que andava acabrunhado?
_ Olha, parece que era algum problema lá na firma, sabe? Parece que as coisas não iam muito bem por lá... Menos pior, né? Já pensou se o problema fosse a minha comida?
_ Imagine... tenho certeza que a senhora cozinha muito bem.
_ Modéstia à parte, cozinho bem mesmo. Inclusive sobrou um pouco de bolo de aipim aqui no forno. O senhor não está servido? Está me parecendo um pouco pálido também.
_ Não, obrigado. Não se preocupe.
_ Não, eu faço questão que o senhor prove meu bolo.- Disse a cozinheira, puxando uma cadeira para Rico, ao mesmo tempo em que servia um generoso pedaço sobre um pratinho.

Rico não estava com fome, mas achou de bom tom não rejeitar.

_ Está realmente uma delícia. – Disse o repórter.
_ Não falei? - Disse orgulhosa a cozinheira. E prosseguiu:
_ E agora com toda essa tragédia, acho que não vou poder continuar por aqui. O senhor não está precisando de cozinheira, não?
_ Não, infelizmente não estou. Mas terei prazer em recomendá-la.
_ É que nos dias de hoje, não está fácil arrumar emprego, sabe?
_ É, não está fácil... Mas parece que a tendência é melhorar.
_ Bom, você é moço, estudado, deve saber o que está falando. Mas já faz muito tempo que ouço que o Brasil é o país do futuro...
_ Mas e em relação à Dona Veridiana, você percebeu alguma alteração de comportamento nos últimos dias? – Disse o repórter tentando voltar ao assunto.
_ A Dona Veridiana, que Deus a tenha, andava tão feliz nos últimos dias... Coitada, ninguém merece uma morte como esta... mesmo botando chifres no marido.
_ Ela estava mais feliz do que de costume?
_ Ah... não sei dizer... parecia que estava mais feliz do que de costume...
_ E a senhora tem idéia de quem seja o amante? – Perguntou o repórter.
_ Não tenho, não. Olha, ela devia fazer bem feito, porque nunca ninguém desconfiou de nada.
_ Entendo... e o seu patrão é de índole violenta? Já havia batido nela, ou alguma coisa assim?
_ O Doutor Cláudio? Nada... Nunca vi homem mais doce... Difícil imaginar ele fazendo uma coisa dessas.
_ Então você acha que não foi ele?
_ Olha, moço, sei que por ciúme as pessoas fazem coisas horríveis, mas é difícil acreditar que ele tenha feito aquilo... Por outro lado, o pessoal da polícia tem certeza de que foi ele. Ele não se defende, não fala nada, parece que entrou em estado de choque, né? Mas ele estava com a faca e o revólver quando o Carlito apareceu e viu toda aquela cena horrível.
_ Carlito? Quem é Carlito?
_ É o motorista da casa. O senhor aceita mais um pedaço de bolo de aipim?

continua>>

sexta-feira, setembro 03, 2004

Post-Novela-Policial-de-Antigamente IV

_ Excelente, Rico! Genial! – dizia o editor, estapiando as costas do repórter.
E continuava:
_ Essa sua idéia de tirar uma foto meio escura, penumbrada, vai dar primeira página com certeza! Principalmente porque o caso é mais enrolado do que tínhamos pensado no início... perfeito! E você não conseguiu nenhuma declaração do assassino?
_ Não, o advogado não deixou.
_ Bom, a gente pensa em alguma coisa...

Essa última frase do editor causou um imperceptível mal estar em Rico. Ele sabia que estava implícito aí algum tipo de “criação” a ser atribuída ao outro. Detestava aquilo. Detestava essa manipulação consciente dos fatos para atingir determinado fim, que nesse caso era fazer sensacionalismo. Mas estava cansado de ver isso para os mais diversos fins... Manipulação política, favorecimento de empresas anunciantes, até manipulação religiosa já havia presenciado.Dóris, há muito, havia dito que se ele não estava feliz nessa profissão, que procurasse outra coisa. Mas que deveria procurar algo onde também pudesse utilizar seu talento para escrever e para captar imagens. Foi, inclusive, a primeira a expressar isso para Rico, que de início via no jornalismo apenas uma profissão como outra qualquer, algo para se ganhar a vida. Ah, Dóris... sentia muito sua falta. Dizem que o tempo tudo cicatriza, mas quanto mais o tempo passava, mas doía sua ausência.

_ Rico! Rico! Onde você está rapaz? O homem nem chegou à Lua ainda, se é que vai chegar, mas parece que você quer ser o primeiro, né? Aposto que não ouviu nenhuma
palavra do que eu disse.
_ Claro que ouvi chefe. Só não entendi essa última frase.
_ Eu disse que o motorista da família telefonou para cá dizendo que tem informações privilegiadas sobre o caso. Evidente que ele quer um caminhão de cruzeiros pela exclusividade, mas se o que ele tem para dizer for quente mesmo, pode valer a pena. Ele quer se encontrar em um local discreto para conversar.
_ Mas você não quer que eu vá, né? - Perguntou Rico, já sabendo a resposta.
_ É claro que quero.
_ Ah, não... mande outra pessoa... o Mário por exemplo.
_ O Mário não está disponível e além do mais a matéria é sua. Aqui está o endereço e o horário que ele marcou. – disse, entregando ao repórter pequeno pedaço de papel escrito a lápis e dobrado ao meio. - Se vira. Você sabe a alçada para negociar, se ele quiser mais, me liga e a gente analisa conforme as informações que ele tiver.

Agora sim, era o que faltava... a outra faceta que ele mais abominava... negociar com a fonte.

Rico consultou o relógio, eram sete e vinte da manhã. O encontro com o motorista se daria somente no final do dia. Estava exausto. Resolveu ir para casa descansar um pouco. Tomou banho, comeu alguma coisa e se deitou. Apesar do cansaço, não conseguia dormir. Ficava montando as peças do quebra-cabeça na sua mente, pensando em todas as outras informações colhidas no local do crime e que não havia passado ao seu editor.

continua>>